quinta-feira, 21 de outubro de 2010

O HOMEM CORDIAL: O modelo de relações gerado na vida doméstica arquiteta a administração pública.

Talvez para os poucos atenciosos essa concepção seja um devaneio de historiadores e sociólogos que buscam suas explicações na esfera romântica do entendimento, porém, o que se revela não são argumentos superficiais, pois, o que está em jogo é a própria construção da mentalidade do povo brasileiro. Segundo o historiador Hilário Franco Júnior(2001) mentalidade é o plano mais profundo da psicologia coletiva, no qual estão anseios, esperança, medos, angústia e desejos assimilados e transmitidos inconscientemente, e exteriorizados de forma automática e espontânea pela linguagem cultural de cada momento histórico em que se dá essa manifestação. Ou sendo um pouco mais atraente podemos dizer que histórias das mentalidades fazem parte de uma dimensão da própria História – ‘’dimensão seriam uma espécie de enfoque ou um modo de ver ou algo que se pretende ver em primeiro plano’’( BARROS, 2004, p.20) – ou seja, é dos campos explorados pela história não marxista.
Diante do que foi sintetizado, é preciso urgentemente explicitar a concepção do historiador Sérgio Buarque de Holanda na obra Raízes do Brasil – capítulo ‘’O Homem Cordial” -, pois, o que vai está em questão não são prerrogativas de juízos de valor, porém, são abordagens que relatam a formação da psicologia social brasileira - em termos de frouxidão da estrutura social – e suas interferências na arquitetura da administração pública.

O centro das preocupações de Sérgio Buarque não estava tanto nas dificuldades de adaptação dos indivíduos. Estava nas conseqüências do predomínio do patriarcalismo sobre o funcionamento das modernas instituições societárias, especialmente as atividades estatais ( MOTA, 1999, p.250 ).

Isto é, o indivíduo formado pela concepção patriarcal não se adequará as premissas do capitalismo organizado – nesse momento Buarque busca entender a sistematização que Max Weber abordada na obra “ A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo’’-, pois, a tendência é a confusão que os indivíduos fazem entre o espaço público e o privado – é o que Weber aborda de entrelaçamento entre a gestão pública e interesse particular.

No Brasil, onde imperou, desde tempos remotos, o tipo primitivo da família patriarcal, o desenvolvimento da urbanização – que não resulta unicamente do crescimento das cidades, mas também do crescimento dos meios de comunicação, atraindo vastas áreas rurais pra a esfera de influências das cidades – ia acarretar um desequilíbrio social, cujos efeitos permanecem vivos ainda hoje.( HOLANDA, 2002,p.145).

Dessa forma, a administração pública brasileira ainda carrega todos os fardos da mesa da Casa Grande, repercutindo na nossa forma diluída de organização do nosso capitalismo – são as vontades do Estado submetido ao particularismo, é a vontade do Estado submetido a nossa cordialidade ( sem regras de condutas, sem sistematização, ou melhor, generalidade, hospitalidade são os principais efeitos dessa relação). Mota( 1999) nos alerta que a cordialidade não tem nada a ver, como se poderia supor, com boas maneiras, com a civilização e a polidez.

Um comentário:

  1. Excelente texto!
    Falar em homem cordial, implica hoje em evidenciar a maneira clientelista que rege a administração pública de nossa sociedade, a cidadania das relações pessoais como diria José Murilo de Carvalho.
    Contextualizar é a palavra de ordem. Ao utilizar-os expressões como homem cordial, clientelismo, relações sócio-pessoais,patriarcalismo entre outras; podemos ser taxados como anacrônicos ou até obsoletos, isso ocorre porque em sua maioria são interpretadas fora do contexto atual. Entretanto, infelizmente, são situações muito presentes, mais evidentes até, porém, menos debatidas.

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